Tecnologia boa de verdade a gente nem percebe. Para usar um dos termos do momento, a experiência acontece sem fricção – é fluída. Foi por aí que o boom das Inteligências Artificiais (IAs) reverberou na última edição da CES – a maior feira tech do planeta, que acontece tradicionalmente nos primeiros dias do ano, em Las Vegas. Neste ano, sobretudo, existia uma certa disputa sobre quem conseguiria proporcionar as experiências mais intuitivas, convenientes e menos intrusivas para as pessoas. Vamos lembrar que há mais de uma década se ouve falar sobre design thinking e que, para ser relevante de fato, as marcas precisam colocar o cliente no centro da experiência.
A Inteligência Artificial, com todos os clichês que orbitam em torno do tema, definiu a cara de 2023, assim como a COVID19 definiu o tom dos últimos anos. E, de fato, este é o avanço tecnológico com mais chances de se tornar um marco geracional em diferentes esferas da sociedade. O lado sombrio disso continua assustando e faz parte do imaginário coletivo construído no cinema, seja a partir do futuro distópico de Ridley Scott em Blade Runner, ou na franquia Exterminador do Futuro, de James Cameron, que catapultou Arnold Schwarzenegger para o estrelato de Hollywood. A narrativa das máquinas assumindo o controle de tudo e a humanidade frágil, refém de um colapso do sistema, converge para perguntas sobre o extermínio de milhares de empregos e uma possível crise econômica. Prato cheio para estratégias de comunicação que visam reposicionar a IA, agora não mais como uma vilã, mas como nossa grande aliada.
A IA em TVs, smartphones e eletrodomésticos – entre muitos outros equipamentos – não é uma realidade distante e a CES deu um salto de foco se comparada à edição anterior, de 2023. Para citar um projeto da casa, a Samsung apresentou o robô Ballie, um simpático gerente doméstico multifuncional em formato de esfera que traz um projetor embutido transformando paredes em telas. Ele realiza chamadas de vídeo por comandos básicos de voz, monitora os pets, controla dispositivos inteligentes, como luzes e aparelhos de ar-condicionado, e até atende ligações. Sua capacidade de projeção permite que ele exiba vídeos para entretenimento de animais de estimação ou para exercícios físicos dos usuários.
A CES apresentou a internet das coisas que leva a experiência para além da conexão de ecossistemas, como automação ou preparação de ambientes à distância. O protótipo de um smartphone com uma tela que dobra ao contrário em 360º, um “táxi robô” dirigido por Inteligência Artificial, que poderá ser acionado em uma dinâmica similar à dos aplicativos de transporte; e até uma fazenda inflável – a primeira do mundo – que oferece produção de alimentos a qualquer momento e em qualquer lugar, convertendo a umidade do ar em água em tempo real e reduzindo em 99% as necessidades de água em comparação com a agricultura tradicional. Todas essas inovações ganham ainda mais valor quando estão comprometidas com bem-estar comunitário e abrem novas oportunidades de negócios para o futuro.
Não se deixar levar pelas inúmeras possibilidades que a IA está abrindo é praticamente impossível. A última edição da CES deixou este ar hedonista tecnológico, com promessas de ganhos de eficiência no trabalho, otimização de tempo para lazer e descanso. Nada melhor após anos sisudos de pandemia. Dessa vez o convite é trocar o céu nublado de Blade Runner e a guerra entre máquina e humano de Exterminador do Futuro por uma tecnologia mais próxima. Quem souber capturar este novo espírito do tempo certamente já larga à frente de sua área.
Por Thiago Cesar Silva, Diretor de marketing para a divisão de Consumer Electronics da Samsung Brasil.