Tudo começou com fitas antigas. Esquecidas por décadas, elas estavam ali, esperando ser redescobertas em um antiquário parisiense. Daniel Roseberry, diretor criativo da Schiaparelli, passou os dedos por elas e soube na hora: ali estava a faísca. “Queria criar algo que parecesse novo porque é antigo”, escreveu nas notas do desfile. “Estou cansado dessa ideia de que modernidade precisa ser sinônimo de simplicidade. O novo não pode ser extravagante? Será que essa obsessão pelo ‘contemporâneo’ está matando nossa imaginação?”
Com essa provocação, Roseberry nos levou ao Petit Palais, em Paris, no dia 27 de janeiro, para apresentar Icarus, sua nova coleção de alta-costura. O nome já diz tudo: um voo ambicioso, ousado e, acima de tudo, glorioso. A passarela? Um tapete de azulejos dourados em formato de sol, refletindo cada movimento das modelos, que pareciam deuses renascidos em tecidos esculturais.
O que vimos foi um desfile que resgatou a opulência sem medo. Havia jaquetas bascas de proporções monumentais, vestidos bustier de cetim duquesa que capturavam a luz com maestria e casacos de ópera bordados, feitos de um neoprene de cetim tão luxuoso que beirava o surreal. Detalhes eram tudo: pérolas, penas, bordados, brilho — mas nada óbvio. Entre os destaques, uma jaqueta em formato de “S”, um vestido trompe l’oeil que imitava pele de macaco e um vestido de neoprene de veludo que parecia esculpido à mão.
Nos bastidores, Roseberry revelou o segredo do show: “Todas as técnicas são de bordado do início do século XX”, contou. Mas a coleção ia além da nostalgia. Era um convite ao escapismo, ao sonho. “Ícaro queria escapar, e a alta-costura tem esse poder. Durante 15 minutos, ela te transporta para outra realidade.”
E que realidade. Para criar esse universo, o designer mergulhou na história da moda, revisitando mestres como Azzedine Alaïa, Madame Grès, Charles Frederick Worth, Paul Poiret e Yves Saint Laurent. As referências iam dos anos 1920 aos 1990, mas sem imitações. “Não queria copiar, queria aprender com eles”, explicou.
Entre os momentos de tirar o fôlego, vimos jaquetas abertas com volumes esculturais, vestidos que pareciam tutu futuristas cobertos de camadas de tule e, claro, drapeados, corsets e pregas em um mar de penas, bordados e cristais reluzentes. “O DNA da Schiaparelli não está preso a uma silhueta, e isso é libertador”, disse Roseberry. “A maison é sobre uma ideia, um conceito, um espírito. Me sinto livre para brincar com referências do século XX sem perder a identidade.”
Há alguns anos, Roseberry era o enfant terrible do surrealismo na moda. Agora, ele caminha por outro terreno: o do artesanato sem pressa, do luxo raro, daquele feito para ser apreciado em detalhes. Porque, no fim das contas, a verdadeira inovação talvez esteja justamente no tempo que levamos para criar — e para contemplar.























.