É inquestionável, entre tantos experimentos e experiências da quarentena, algo foi rapidamente escalável e, apesar das controvérsias, a aceitação foi e é grande. Sim, estou falando das lives, as queridas ou temidas lives.
Há quem considere um movimento em efeito manada, e talvez faça sentido, mas o ponto principal de reflexão é a consequência desse fato. As mídias sociais são democráticas e bastante acessíveis, intuitivas e de fácil utilização, e não há nada que impeça qualquer usuário de, em questão de segundos, começar uma transmissão ao vivo, sem saber quem ou porque terá audiência.
As motivações para fazer lives são inúmeras. Há aqueles que compreendem a live como uma ferramenta valiosa de geração de conteúdo, utilizam com responsabilidade, há planejamento e pauta bem definidas, convidados estrategicamente selecionados e um poder valioso de alcance e influência. No entanto, essa não é a motivação para tantos outros usuários, que podem buscar o simples desejo de audiência, fazer porque “todo mundo faz” ou até as mais ilusórias ideias de aumentar o número de seguidores.
Todos eles, independente da razão da transmissão ao vivo, chegam a um lugar comum: a capacidade de impacto e influência que essas lives possuem. De um lado, uma audiência pouco preparada para uma curadoria de conteúdo, do outro, pessoas assumindo espaços e temas que não possuem know-how suficiente para compartilhar, ensinar e impactar outras pessoas. Assim começamos nosso espiral, porque, por mais frágil que seja uma informação, ou mesmo inverídica, do outro lado há alguém que por um simples crivo, pode ser até uma questão de simpatia pelo speaker, absorve.
O movimento das lives é legítimo e necessário, principalmente considerando a perspectiva do compartilhamento de conteúdo que não poderia ser acessado (ou não com tanta facilidade) por tantas pessoas. Contudo, é preciso que uma etapa anteceda a decisão do clique rápido no botão “ao vivo”: a autorresponsabilidade.
A cultura das lives deve incentivar – ou demandar – que os apresentadores, com humildade e sabedoria, revisitem seus repertórios, encontrem seus espaços de conteúdo, baseados na sua história de vida, temas de especialidade ou opiniões embasadas em um assunto que dominam. E, ainda antes desse clique, é preciso criar um roteiro, validar do início ao fim, não com falas prontas, mas mapear o curso do diálogo e o poder de impacto e influência que pode causar no outro.
E, se falta motivação para encarar essa jornada de reflexão e preparo que a live demanda, deixo aqui uma última reflexão: embora a transmissão ao vivo termine, o conteúdo se perpetua, sendo registrado nas redes e disseminado de um modo incontrolável e, acredite, você será cobrado pelo peso da sua influência. Em tempos da cultura do cancelamento, uma internet com poder de fala e o fácil acesso para rastrear e descredibilizar dados e fatos, quer mesmo deixar que o toque ansioso no botão “ao vivo” desconstrua a história que te faz clicar lá para contá-la?
Por Lais Macedo, sócia do LIDE FUTURO e fundadora da B4Marry